Às vezes vemos muitas mudanças de opinião por causa de um único artigo científico publicado. Não que isso não possa acontecer, mas de acordo com a pirâmide de evidência científica e a prática baseada em evidência, não é bem assim que as coisas acontecem.
É muito fácil encontrar falhas em qualquer tipo de estudo científico: o grupo de indivíduos testados não traduz a eficiência do estudo, usaram um protocolo errado ou simplesmente obtiveram um resultado incomum. Isso não é necessariamente ruim e não se deve rejeitar todas as suas opiniões anteriores toda vez que ler um novo estudo. Aqui vou te mostrar como a dieta low carb pode ser um aliado ou não para os atletas.
Qual nível de evidência seria necessária para convencer alguém a mudar uma ideia?
Pensando nisso, há tempos ocorre uma discordância sobre a importância do carboidrato para performance esportiva. Alguns afirmam que o carboidrato não é um nutriente essencial devido à capacidade do nosso organismo conseguir sintetizá-lo às custas de outros macronutrientes, enquanto outros dizem que a gordura possui densidade energética maior, sendo mais eficiente em fornecer energia para performance. Essa é uma questão avaliada em um estudo publicado recentemente na revista PLOS One sobre a controvérsia de longa data se baixo teor de carboidratos e alto com gordura (LCHF) aumenta o desempenho em atividade de endurance.
Então, 2017 foi um ano interessante na ciência da Nutrição e Performance. A pesquisadora Louise Burke e colaboradores no Australian Institute of Sport publicaram um estudo chamado Supernova onde observaram efeitos de três semanas e meia da dieta LCHF, onde o metabolismo dos atletas de marcha atlética de elite (elite race walkers) foi modificado para priorizar especificamente a queima de gordura, mas nesse período houve comprometimento na eficiência metabólica, de modo que o desempenho na corrida sofreu redução. A partir desse estudo, muitos contestaram os resultados e ele foi repetido (Supernova 2).
O que é a dieta LCHF?
Também conhecida como dieta cetogênica, seus princípios para atletas são bastante simples. A energia na forma de depósitos de gordura é difícil de ser utilizada rapidamente para abastecer um exercício mais intenso, ao contrário do que ocorre em um exercício leve ou moderado. Se houver adaptação a uma dieta com LCHF (popularmente conhecida como dieta low carb), pode dobrar ou até triplicar a taxa máxima de queima de gordura. Em teoria, isso permite uma alimentação em provas de longa distância principalmente com gordura (deixando os carboidratos de lado).
A LCHF realmente aumenta a capacidade de queimar gordura, mas nem tudo são flores. Alguns estudos sugerem, por exemplo, que a melhora na queima de gordura ocorre com o custo direto do uso rápido de carboidratos, o que significa que você perde parte de sua capacidade de explosões rápidas de energia (sprints finais, aclives, etc..).
O trabalho de Louise Burke questiona isso no sentido mais simples possível: em troca de acesso à quantidade vasta de energia advinda das gorduras, o atleta se torna menos eficiente. O que isso quer dizer? Bom, primeiro, é necessário mais oxigênio para produzir um determinado nível de potência muscular. Se o exercício é intenso, aumentar o consumo de oxigênio irá atrapalhar a performance.
Mas e os carboidratos?
No artigo Supernova 2, uma página e meia foi dedicada para resumir as críticas ao primeiro estudo da Supernova que surgiram na literatura e nas redes sociais, junto aos ajustes que eles fizeram em resposta no Supernova 2:
O desenho experimental do novo estudo é bastante complexo, mas os resultados são simples: são praticamente idênticos aos do primeiro estudo. Os atletas em dieta LCHF ficaram muito proficientes em obter energia da gordura, dobrando sua oxidação de gordura em velocidades de corrida comuns, mas ficaram menos eficientes, pois consumiram mais oxigênio em sua velocidade de corrida nos 20K e em 50K. Em sequência, em uma corrida de 10 km imediatamente após a dieta experimental e em uma corrida de 20 km duas semanas e meia depois, o grupo de alto teor de carboidratos ficou mais rápido enquanto o grupo de LCHF ficou mais lento.
Esse problema na eficiência pode ser menos pronunciado em intensidades mais baixas, tornando a estratégia LCHF mais adequada para corridas de ultradistância. Para alguns, essa perda na eficiência não influencia em nada, mas para os sujeitos do estudo, que correm por quatro horas ou menos e se preocupam com cada segundo, aparentemente uma dieta com LCHF não é a melhor opção para obter melhora na performance.
Conclusão Sobre a Dieta Low Carb
Após o estudo original do Supernova, o Journal of Physiology publicou uma resposta enumerando várias maneiras possíveis pelas quais a conclusão pode ter sido incorreta. Com tantos “poderiam ser” e “se” que existiam no estudo, parecia que o estudo da Supernova sobre a dieta low-carb não servia para nada.
Há décadas que existem dados na literatura científica sobre o assunto LCHF. É uma abordagem interessante e plausível do ponto de vista bioquímico, mas a eficiência enzimática é de extrema importância para esse tipo de estratégia. As descobertas do Supernova foram replicadas, mais um excelente adendo à literatura científica. Em princípio, está mais fácil afirmar que os carboidratos são essenciais para a performance esportiva.